De volta ao Brasil na terça-feira, dia 18, quando chegou do Parapan de Toronto com oito medalhas de ouro, o atleta Daniel Dias, de 27 anos, projeta um crescimento ainda maior para o esporte paralímpico no país com os Jogos do Rio em 2016. O nadador da classe S5, que nasceu com má formação nos braços e na perna direita, é dono de 14 títulos mundiais, tem 15 medalhas olímpicas, sendo dez douradas, e desde o Parapan de Guadalajara, em 2011, só ganha ouro na competição. Apesar do sucesso individual e de achar que o Brasil está se tornando uma potência, o paulista acredita que o esporte paralímpico carece de investimento e, sobretudo, de divulgação.

 

Rendimento de 100% no Pan, medalhista olímpico, recordista e campeão mundial, ganhador do troféu Laureus de 2009… O que ainda falta na sua carreira?
Falta disputar a Paralimpíada em casa. Acredito que vai ser uma grande oportunidade para o esporte no Brasil. Pessoalmente, não nado pra ter grandes conquistas, nado pra mostrar o valor da pessoa com deficiência. O esporte pode ser uma boa ferramenta pra isso. Mas é claro que também espero fazer uma boa competição. Ganhar medalha em casa deve ser incrível.

 

A participação do Brasil no Parapan de Toronto foi a melhor da história, e você ajudou em muito para fazer isso acontecer, com seus oito ouros. O que você achou da campanha?
Fico muito feliz com a evolução do esporte paralímpico no Brasil, principalmente com o número de conquistas. Temos um sonho muito grande, que é de (o Brasil) ficar em quinto na Paralimpíada em casa. E fico muito feliz em fazer parte desse projeto, em poder fazer isso acontecer.

 

Como foi a recepção do público na volta para casa?
Foi bem calorosa, teve até música do Brasil. A gente chegou e tinha um pessoal grande na área do desembarque, minha família também… Isso é muito bacana, a gente ter esse reconhecimento e receber esse carinho. A gente batalha muito para representar o país nas competições. Então, quando vem esse reconhecimento é sempre muito gratificante.

 

Você chegou ao Parapan como franco favorito ao pódio, já que, desde Guadalajara-2011, não sabe o que é ter outra medalha que não a de ouro. Como você foi visto pelos adversários?
Sem dúvida, quando você se torna o primeiro e ganha o ouro o objetivo da pessoa é ganhar de você. Como eu nado muitas provas, acabo tendo muitos adversários, e sei que o trabalho deles é ganhar de mim. Mas eu treino para fazer o meu melhor sempre na piscina, não fico pensando muito nisso.

 

Já é a terceira edição seguida do Parapan em que o Brasil fica em primeiro no quadro de medalhas – ainda que não seja sempre isolado como desta vez. Como você vê o desenvolvimento do esporte paralímpico no país?
Se a gente parar para pensar, de 2004 pra cá houve um crescimento muito grande, a começar pelo Parapan do Rio, em 2007. Naquele ano passamos do segundo para o primeiro lugar no quadro de medalhas, e neste ano abrimos uma vantagem muito grande em relação ao segundo colocado, o Canadá. Isso mostra que o investimento está crescendo e fazendo a diferença. Imagina o quão longe podemos chegar se tivermos o mesmo investimento do esporte olímpico?

 

Nas Olimpíadas de Londres-2012 e Pequim-2008, você também conseguiu medalhas de ouro, prata e bronze. Como está sua expectativa para o ano que vem?
É a melhor possível. Acho que disputar uma Paralimpíada em casa vai ser uma sensação indescritível. É algo que vai ficar marcado no esporte paralímpico brasileiro e na minha carreira. Espero nadar bem e conseguir corresponder a todas as expectativas.

 

A delegação paralímpica tem apresentado rendimento superior à olímpica em praticamente todos os torneios disputados. Em sua opinião, por que isso acontece?
Acredito que fazer uma comparação não é legal. Não queremos ser melhores, queremos direitos iguais, divulgação e retorno iguais. Quando falei sobre igualar o investimento do esporte paralímpico ao olímpico falei justamente nesse sentido. A gente quer mostrar o nosso valor, e que pessoas com deficiência podem chegar longe. Cada um se supera e treina ao máximo para mostrar o valor do esporte paralímpico. Estamos tornando o Brasil uma potência nesse quesito.

 

Apesar do aproveitamento, você acha que o público e a mídia desmerecem ou não dão o devido valor ao esporte paralímpico?
Acredito que o público é receptivo, sim. Hoje, quando vejo o carinho que recebo de fãs, mensagens de afeto, isso é espetacular, é incrível. Pais vêm com seus filhos falar comigo na rua e dizem que sou um exemplo para eles. Até para crianças que não têm deficiência. Então, nesse ponto, estou muito satisfeito. A imprensa ainda tem o que evoluir e melhorar. Por isso que, quando dou entrevista, fico muito feliz, porque faz com que a gente seja notícia, leva a informação para mais pessoas. Tem muito deficiente trancado em casa que poderia estar aqui no meu lugar. Temos muitos talentos escondidos e podemos despertar esse interesse com a ajuda da mídia. Ainda que o cara não seja um atleta profissional ou um medalhista olímpico, com o esporte ele pode aprender a ser um campeão na vida.

 

Você começou a nadar somente aos 16 anos, o que pode ser considerado tarde em se tratando de um atleta profissional. Na sua avaliação, a idade influenciou no seu rendimento?
Acho que você, quando se descobre mais jovem é melhor, mas no meu caso eu descobri no tempo certo e estou feliz. Na verdade, cada um tem seu tempo. Às vezes, a criança até descobre a modalidade mais cedo, mas não gosta na hora. Eu tenho 10 anos de carreira. Se tivesse começado mais cedo, talvez estivesse enjoado da natação.

 

Por que você resolveu se tornar atleta?
Eu sempre gostei de esporte, mas demorei para conhecer o esporte adaptado. Foi em 2004, na Olimpíada de Atenas, que conheci o esporte adaptado, e aí eu decidi que queria ser atleta. Comecei a nadar no ano seguinte, em 2005.

 

Você considerou algum outro tipo de esporte até chegar à natação?
Não foi sempre a natação, não. Hoje somos o país da natação paralímpica, mas na minha época ainda era o país do futebol (risos). Quis ser jogador de futebol, só que não me dei muito bem. Aí, pensei no basquete, mas era pra cadeirantes e não era o que eu queria. E aí sobrou a natação, vi que poderia ser uma opção e, aí sim, eu realmente comecei a praticar.

 

Vários atletas reclamam da falta de patrocínio e investimento no esporte olímpico. Como é a situação nas modalidades paralímpicas?
Se for generalizar, é, sim, bem mais complicado. Nem todos os atletas têm Bolsa Atleta, Bolsa Pódio ou Bolsa Esporte. Muitos que foram para o Parapan, por exemplo, nem o Bolsa Atleta têm. É uma pena, mas acredito que está melhorando, que as bolsas estão chegando para mais esportistas. E a Paralimpíada acontecer em casa vai ser um marco. Vai mostrar que deve ter investimento porque se consegue retorno. Eu posso viver apenas do esporte hoje.

 

Foi publicado que você conta com oito patrocinadores (Mackenzie, Embratel, Panasonic, Gocil, Furnas, Ottobock, Governo do Estado de São Paulo e Petrobras) e, somando os valores ao das bolsas Pódio e Atleta, recebe R$ 100 mil mensais. É verdade?
Se eu estivesse ganhando isso, estava bom mesmo (risos)! Mas eu tenho meus patrocinadores, faço parte do Time São Paulo, daqui de São Paulo, tenho Bolsa Pódio, Bolsa Esporte… Como eu falei, posso me dedicar exclusivamente ao esporte e dar um conforto pra minha família. Mas, se quiserem me passar esse valor de R$ 100 mil por mês, tá ótimo! Não vou recusar (risos).

 

Como funciona a sua rotina de treinamentos?
Tenho treino de cinco a oito vezes na semana e também faço pilates. Duas vezes na semana, eu tenho o que chamamos de ‘dobra’, que é treino de manhã e à tarde na piscina. Além disso, três vezes na semana eu tenho preparação física. Então, se eu tivesse que fazer outra coisa além de treinar, seria bem complicado.

 

Fonte: atarde.com.br

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